• Livro: Memórias de um Sargento de Milícias

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013




Pré-Modernismo no Brasil

Nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século XX, o Brasil também viveu sua bélle époque. Nesse período nossa literatura caracterizou-se pela ausência de uma única diretriz. Houve, isso sim, um sincretismo estético, um entrecruzar de várias correntes artístico-literárias. O país vivia na época uma constante tensão.

Nesse contexto, alguns autores refletiam o inconformismo diante de uma realidade sócio-cultural injusta e já apontavam para a irrupção iminente do movimento modernista. Por outro lado, muitas obras ainda mostravam a influência das escolas passadas: realista/naturalista/parnasiana e simbolista. Essa dicotomia de tendências, uma renovadora e outra conservadora, gerou não só tensão, mas sobretudo um clima rico e fecundo, que Alceu Amoroso Lima chamou de Pré-Modernismo. 

Quanto à prosa, podemos distinguir três tipos de obras:


1- Obras de ambiência rural e regional - que tem por temática a paisagem e o homem do interior.

2- Obras de ambiência urbana e social - retratando a realidade das nossas cidades.

3- Obras de ambiência indefinida - cujos autores produzem uma literatura desligada da realidade sócio-econômica  brasileira. 

Características :  

A) ruptura com o passado - por meio de linguagem chocante, com vocabulário que exprime a “frialdade inorgânica da terra”.

B) inconformismo diante da realidade brasileira - mediante um temário diferente daquele usado pelo romantismo e pelo parnasianismo : caboclo, subúrbio, miséria, etc..

C) interesse pelos usos e costumes do interior - regionalismo, com registro da fala rural.

D) destaque à psicologia do brasileiro - retratando sua preguiça, por exemplo nas mais diferentes regiões do Brasil.

E) acentuado nacionalismo - exemplo Policarpo Quaresma.

F) preferência por assuntos históricos.

G) descrição e caracterização de personagens típicos - com o intuito de retratar a realidade política, e econômica e social de nossa terra.

H) preferência pelo contraste físico, social e moral.

I) sincretismo estético - Neo-Realismo, Neoparnasianismo, Neo-Simbolismo.

J) emprego de uma linguagem mais simples e coloquial - com o objetivo de combater o rebuscamento e o pedantismo de alguns literatos. 

Principais autores :


Na poesia: Augusto dos Anjos, Rodrigues de Abreu, Juó Bananére, etc..

Na prosa: Euclides da Cunha, Lima Barreto, Graça Aranha, Monteiro Lobato, Afonso Arinos, Simões Lopes, Afrânio Peixoto, Alcides Maia, Valdomiro Silveira, etc...

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

GINCANA 2012




Nesta sexta-feira 31 de agosto de 2012, culminância da gincana 2012: Solidariedade aos irmãos nordestinos.
Quarta-feira, 29 de agosto de 2012 - 19:52

A presidenta da República, Dilma Rousseff, sancionou na tarde desta quarta-feira, 29, a lei que institui a reserva de 50% das vagas ofertadas em instituições federais de educação superior para estudantes provenientes de escolas públicas. A lei já valerá para os próximos vestibulares das instituições e também na próxima edição do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) do Ministério da Educação. A regulamentação, com o cronograma para a adequação das universidades à lei, está prevista para setembro.

A implantação das cotas ocorrerá de forma progressiva ao longo dos próximos quatro anos, até chegar à metade da oferta total do ensino público superior federal. Em 2013 terão de ser reservadas, pelo menos, 12,5% do número de vagas ofertadas atualmente – o que equivale a 25% do total que será reservado para ingresso por meio de cotas. A presidenta vetou o artigo 2º do projeto aprovado pelo Congresso Nacional, que instituía a média das notas dos alunos como um dos critérios para ingresso.

De acordo com a lei, cada instituição deverá preencher as cotas com autodeclarados pretos, pardos e indígenas na mesma proporção em que esses segmentos são encontrados na unidade da Federação em que se localiza a instituição, de acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Metade do total de cotas, o que corresponde a 25% das vagas da instituição, deve ser preenchida com estudantes vindos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita.

Enem – O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, explicou em coletiva concedida no Palácio do Planalto que o ministério realizou um estudo com base no desempenho dos estudantes concluintes das redes pública e privada no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O objetivo foi verificar as condições dos possíveis ingressantes provenientes da rede pública nas universidades, em relação aos das escolas privadas.

“Quando selecionamos dentro da rede pública os 150 mil melhores alunos, que correspondem ao total das cotas que teremos que implantar nos próximos quatro anos, a média é superior à do setor privado e a nota máxima é parecida”, afirmou Mercadante.

Pelos dados apresentados, os 150 mil concluintes da rede pública com melhor desempenho no Enem de 2011 tiveram uma média geral de 582,2 pontos. O total de 891.070 estudantes de escolas públicas alcançou uma média geral de 474,2 pontos. A média total dos 1.137.813 estudantes concluintes que fizeram a prova foi de 494,8 pontos. Quando se consideram apenas os 246.743 alunos da rede privada, a média sobe para 569,2 pontos.

Regulamentação – Mercadante informou que a pasta promoverá reuniões com os reitores das instituições públicas de ensino superior para definir a regulamentação e discutir outras ações. “O diferencial é que antes as universidades federais tinham liberdade para definir vagas para políticas afirmativas. Hoje existe uma lei que será uma regra. O que discutiremos será o processo para implantar as cotas”, afirmou.

Para o ministro, a sanção da lei representará um estímulo para os estudantes do ensino médio público. “Para os estudantes da rede pública, em especial o nível médio, esta lei vai representar uma grande motivação porque eles terão, até o final de quatro anos, de forma progressiva, metade das vagas nas universidades federais”, disse. 





Assessoria de Comunicação Social

domingo, 27 de maio de 2012

Exame deste ano vai ter maior rigor na gestão de riscos, afirma ministro. Será???




O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2012, que terá inscrições abertas na próxima segunda-feira, dia 28, e a paralisação dos professores nas universidades federais foram os temas de destaque na participação do ministro da Educação, Aloizio Mercadante, no Bom Dia, Ministro desta sexta-feira, 25. O programa radiofônico é produzido pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, em parceria com a Empresa Brasil de Comunicação. 
O ministro explicou as mudanças efetuadas para garantir a segurança no Enem deste ano, como o aumento do rigor na gestão dos riscos. “Embora não tivéssemos nenhum problema de logística na aplicação do Enem em 2011, triplicamos os itens de checagem na gestão e na logística para este ano”, afirmou. “Antes, eram 1,2 mil itens; agora, serão 3.449 pontos monitorados.”Mercadante ainda destacou as mudanças nas normas de correção da redação, com critérios de mais objetividade para evitar discrepância nas notas finais entre os diferentes corretores.

Carreira — Quanto à paralisação na rede federal de educação superior, Mercadante reiterou que considera antecipada a greve de professores nesse momento. Para ele, ainda há tempo para negociar a reestruturação da carreira da categoria. “Não há prejuízo material aos professores. O orçamento só irá para o Congresso em final de agosto”, lembrou. “Então, ainda há tempo. Por que uma greve em maio?”

De acordo com o ministro, o governo fará o esforço necessário para melhorar a remuneração dos docentes. “Mas nesse momento é preciso saber como deve ficar o cenário macroeconômico no Brasil diante da crise mundial para definir todo o quadro do funcionalismo”, acrescentou.

Pré-escola — A construção de creches e pré-escolas para crianças até seis anos, prevista no programa Brasil Carinhoso, foi outro assunto abordado por âncoras de emissoras de rádios de todo o Brasil. “Temos 5 mil creches sendo construídas em todo o Brasil”, destacou Mercadante. “E todos os prefeitos que tiverem creches, inclusive conveniadas, receberão antecipação do Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação] e aumento de 66,7% na merenda escolar.”

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

OLHA NORMINHA AÍ GENTE!!!!




AO INVÉS DE ou EM VEZ DE?
a)    AO INVÉS DE = ao contrário de;
b)    EM VEZ DE = em lugar de.
Sempre que houver a ideia de “troca, substituição”, devemos usar EM VEZ DE: “Ele foi à praia EM VEZ DE ir para a escola”.
Só podemos usar AO INVÉS DE se a substituição for entre coisas opostas: “Ele entrou à direita AO INVÉS DE entrar à esquerda”.
Sendo assim,  podemos usar EM VEZ DE em qualquer tipo de substituição e só podemos usar AO INVÉS DE se forem coisas contrárias, deixo uma sugestão: em caso de dúvida, use EM VEZ DE. Assim, você não corre o risco de "errar".

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

ARTIGO DE OPINIÃO




“Apartheid Social”
Ana Luiza, Eliza, Stela e Ewerton
Alunos do 3ºA



O
 curado IV é um típico bairro de classe média baixa, formado por prédios (COHAB) de três andares e com várias “invasões” ao seu redor. Tal imagem faz bastante contraste com o conjunto habitacional de luxo vizinho, o Alphaville Francisco Brennand, e, principalmente, com o fato de estarmos a apenas cinco minutos da cidade da copa, representando, então, um verdadeiro apartheid social1.
 O nosso bairro possui grandes problemas que vem interferindo bastante na vida de seus moradores - o lixo nas ruas e a falta de saneamento básico - que além de trazer desordem, traz riscos à saúde dos moradores. Tais fatos desrespeitam um dos pilares dos direitos humanos que é o direito à vida, “o cidadão precisa ter condições e capacidade de seu pleno desenvolvimento”. Parte do caos deve-se à falta de educação ambiental dos próprios moradores, que descartam resíduos nas ruas.
 Porém, isso se deve principalmente à precariedade dos serviços de coleta de lixo e à falta de infraestrutura para suportar a grande quantidade de moradores, visto que a quantidade de lixeiros em nosso bairro é insuficiente para o meio quilo de lixo que é produzido por dia, por morador, de acordo com a Abrelpe (Associação Brasileira de empresas de Limpeza pública e resíduos especiais). Há aqueles que digam que o lixo não apresenta grandes problemas, mas como permanecer na mesma situação de anos se ao nosso redor o desenvolvimento nos chama ao crescimento? A copa sediada em São Lourenço exige que os bairros de sua redondeza mudem de imagem. É inadmissível que existam problemas básicos como este nas comunidades de um país que tanto visa o crescimento. Vemos vários exemplos de falta de saneamento básico no Curado IV, como os esgotos a céu aberto em frente à escola Senador Aderbal Jurema e em frente à creche Mundo Encantado. Isso prejudica tanto a saúde quanto o bem estar, sem falar no perigo que há de nossas crianças e idosos caírem nessas “valas”.
Sendo assim, com que “fama” o Brasil ficará após a copa de 2014? Pior que a da África do Sul?      Assim, os governantes deveriam preocupar-se mais com a tão prezada imagem internacional. A união do estado e da comunidade é essencial para o combate de tais problemas, visando não só a qualidade de vida dos moradores, mas contribuindo também com a imagem que ficará para do mundo, tanto durante a copa de futebol, quanto posteriormente. Evitando assim, essa política de segregação que é o Apartheid social.





1. Apartheid: Sistema que apareceu, oficialmente, na África do Sul em 1944, era uma política de segregação que consistia, naquele contexto, na divisão dos diferentes grupos raciais. Esta palavra significa, em Afrikaans, separação.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

PARA LER!!!



Bocatorta

 (Monteiro Lobato)


A quarto de légua do arraial do Atoleiro começam as terras da fazenda de igual nome, pertencente ao major Zé Lucas. A meio entre o povoado e o estirão das matas virgens dormia de papo acima um famoso pântano. Pego de insidiosa argila negra fraldejado de velhos guaiambés nodosos, a taboa esbelta cresce-lhe à tona, viçosa na folhagem eréctil que as brisas tremelicam. Pela inflorescência, longas varas soerguem-se a prumo, sustendo no ápice um chouriço cor de telha que, maturado, se esbruga em paina esvoaçante. Corre entre seus talos a batuíra de longo bico, e saltita pelas hastes a corruíra-do-brejo, cujo ninho bojudo se ouriça nos espinheiros marginais. Fora disso, rãs, mimbuias pensativas e, a rabear nas poças verdinhentas de algas, a traíra, esse voraz esqualozinho do lodo. Um brejo, enfim, como cem outros.

Notabiliza-o, porém, a profundidade. Ninguém ao vê-lo tão calmo sonha o abismo traidor oculto sob a verdura.

Dois, três bambus emendados que lhe tentem alcançar o fundo subvertem-se na lama sem alçar pé.

Além de vários animais sumidos nele, conta-se o caso do Simas, português teimoso que, na birra de salvar um burro já atolado a meio, se viu engolido lentamente pelo barro maldito. Desd'aí ficou o atoleiro gravado na imaginativa popular como uma das bocas do próprio inferno.

Transposto o abismo, a vegetação encorpa, até formar a mata por cujo seio corre a estrada mestra da fazenda.

Na manhã daquele dia passara por ali o trole do fazendeiro, de volta da cidade. Além do velho, de sua mulher Don'Ana e de Cristina a filha única, vinha a passeio o bacharel Eduardo, primo longe e noivo da moça. Chegaram e agora ouviam na varanda, da boca do Vargas, fiscal, a notícia do sucedido durante a ausência. Já contara Vargas do café, da puxada dos milhos e estava na criação.

- Porcos têm sumido alguns. Uma leitoa rabicó e um capadete malhado dos "Polancham", há duas semanas que moita. Para mim - ninguém me tira da cabeça - o ladrão foi o negro, inda mais que essa criação costumava se alongar das bandas do brejo. Eu estou sempre dizendo: é preciso tocar de lá o raio do maldelazento. Aquilo, Deus me perdoe, é bicho ruim inteirado. Mas não "querem" me acreditar...

O major sorriu àquele "querem". Vargas, com ojeriza velha ao mísero Bocatorta, não perdia ensanchas de lhe atribuir malefícios e de estumar o patrão a corrê-lo das terras que aquilo, Nossa Senhora! até enguiçava uma fazenda...

Interessado, o moço indagou da estranha criatura.

- Bocatorta é a maior curiosidade da fazenda, respondeu o major. Filho duma escrava de meu pai, nasceu, o mísero, disforme e horripilante como não há memória de outro. Um monstro, de tão feio. Há anos que vive sozinho, escondido no mato, donde raro sai e sempre de noite, O povo diz dele horrores - que come crianças, que é bruxo, que tem parte com o demo. Todas as desgraças acontecidas no arraial correm-lhe por conta. Para mim, é um pobre-diabo cujo crime único é ser feio demais. Como perdeu a medida, está a pagar o crime que não cometeu...

Vargas interveio, cuspilhando com cara de asco: - Se o doutorzinho o visse!... É a coisa mais nojenta deste mundo.

- Feio como o Quasímodo? - Esse não conheço, seu doutor, mas estou aqui estou jurando que o negro passa diante do... como é? Eduardo apaixonava-se pelo caso.

- Mas, amigo Vargas, feio como? Por que feio? Explique-me lá essa feiúra.

Grande parola quando lhe davam trela, Vargas entreparou um bocado e disse: - O doutor quer saber como é o negro? Venha cá.

Vossa Senhoria 'garre um juda de carvão e judie dele; cavoque o buraco dos olhos e afunde dentro duas brasas alumiando; meta a faca nos beiços e saque fora os dois; 'ranque os dentes e só deixe um toco; entorte a boca de viés na cara; faça uma coisa desconforme, Deus que me perdoe.

Depois, como diz o outro, vá judiando, vá entortando as pernas e esparramando os pés. Quando cansar, descanse.

Corra o mundo campeando feiúra braba e aplique o pior no estupor. Quando acabar 'garre no juda e ponha rente de Bocatorta. Sabe o que acontece? O juda fica lindo!...

Eduardo desferiu uma gargalhada.

- Você exagera, Vargas. Nem o diabo é tão feio assim, criatura de Deus! - Homem, seu doutor, quer saber? Contando não se acredita. Aquilo é feiúra que só vendo! - Nesse caso quero vê-la. Um horror desse naipe merece uma pernada.

Nesse momento surgiu Cristina à porta, anunciando café na mesa.

- Sabe? - disse-lhe o noivo. - Temos um belo passeio em perspectiva: desentocar um gorila que, diz o Vargas, é o bicho mais feio do mundo.

- Bocatorta? - exclamou Cristina com um reverbero de asco no rosto. - Não me fale. Só o nome dessa criatura já me põe arrepios no corpo.

E contou o que dele sabia.

Bocatorta representara papel saliente em sua imaginação. Pequenita, amedrontavam-na as mucamas com a cuca, e a cuca era o horrendo negro. Mais tarde, com ouvir às crioulinhas todos os horrores correntes à conta dos seus bruxedos, ganhou inexplicável pavor ao notâmbulo. Houve tempo no colégio em que, noites e noites a fio, o mesmo pesadelo a atropelou. Bocatorta a tentar beijá-la, e ela, em transes, a fugir. Gritava por socorro, mas a voz lhe morria na garganta. Despertava arquejante, lavada em suores frios.

Curou-a o tempo, mas a obsessão vincara fundos vestígios em su'alma.

Eduardo, não obstante, insistia.

- É o meio de te curares de vez. Nada como o aspecto cru da realidade para desmanchar exageros de imaginação.

Vamos todos, em farrancho - e asseguro-te que a piedade te fará ver no espantalho, em vez dum monstro, um simples desgraçado digno do teu dó.

Cristina consultou-se por uns momentos e: - Pode ser - disse. - Talvez vá. Mas não prometo! Na hora verei se tenho coragem...

A maturação do espírito em Cristina desbotara a vivacidade nevrótica dos terrores infantis. Inda assim vacilava.

Renascia o medo antigo, como renasce a encarquilhada rosa de Jericó ao contato de uma gota d'água. Mas vexada de aparecer aos olhos do noivo tão infantilmente medrosa, deliberou que iria; desde esse instante, porém, uma imperceptível sombra anuviou-lhe o rosto.

Ao jantar foram o assunto as novidades do arraial - eternas novidades de aldeias, o Fulano que morreu, a Sicrana que casou. Casara um boticário e morrera uma menina de quatorze anos, muito chegada à gente do major. Particularmente condoída, Don'Ana não a tirava da idéia.

- Pobre da Luizinha! Não me sai dos olhos o jeito dela, tão galante, quando vinha aqui pelo tempo das jabuticabas.

Ali, naquela porta - "Dá licença, Don'Ana!" - tão cheia de vida, vermelhinha do sol... Quem diria...

- E ainda por cima a tal história de cemitério... interveio Cristina. Papai soube? Corriam no arraial rumores macabros. No dia seguinte ao enterramento o coveiro topou a sepultura remexida, como se fora violada durante a noite; e viu na terra fresca pegadas misteriosas de uma "coisa" que não seria bicho nem gente deste mundo. Já duma feita sucedera caso idêntico por ocasião da morte da Sinhazinha Esteves; mas todos duvidaram da integridade dos miolos do pobre coveiro sarapantado. Esses incréus não mofavam agora do visionário, porque o padre e outras pessoas de boa cabeça, chamadas a testemunhar o fato, confirmavam-no.

Imbuído do ceticismo fácil dos moços da cidade, Eduardo meteu a riso a coisa muita fortidão de espírito.

- A gente da roça duma folha d'embaüva pendurada no barranco faz logo, pelo menos, um lobisomem e três mulas-sem-cabeça. Esse caso do cemitério: um cão vagabundo entrou lá e arranhou a terra. Aí está todo o grande mistério! Cristina objetou: - E os rastos? - Os rastos! Estou a apostar como tais rastos são os do próprio coveiro. O terror impediu-lhe de reconhecer o molde do casco...

- E o padre Lisandro? - acudiu Don'Ana, para quem um testemunho tonsurado era documento de muito peso.

Eduardo cascalhou uma risada anticlerical e, trincando um rabanete, expectorou: - Ora, o padre Lisandro! Pelo amor de Deus, Don'Ana! O padre Lisandro é o próprio coveiro de batina e coroa! A propósito...

E contou a propósito vários casos daquele tipo, os quais no correr do tempo vieram a explicar-se naturalmente, com grande cara d'asno dos coveiros e lisandros respectivos.

Cristina ouviu, com o espírito absorto em cismas, a bela demonstração geométrica. Don'Ana concordou da boca para fora, por delicadeza. Mas o major, esse não piou sim nem não. A experiência da vida ensinara-lhe a não afirmar com despotismo, nem negar com "oras - Há muita coisa estranha neste mundo... - disse, traduzindo involuntariamente a safada réplica de Hamlet ao cabeça forte do Horacio.

Zangara o tempo quando à tarde o rancho se pôs de rumo ao casebre de Bocatorta.

Ventava. Rebojos de nuvens prenhes sorviam as últimas nesgas do azul.

Os noivos breve se distanciaram dos velhos que, a passos tardos, seguiam comentando a boa composição do futuro casal. Não havia nisso exagero de pais. Eduardo, embora vulgar, tinha a esbelteza necessária para ouvir sem favor o encômio de rapagão, e Cristina era um ramalhete completo das graças que os dezoito anos sabem compor.

Donaire, elegância, distinção... pintam lá vocábulos esbeiçados pelo uso esse punhado de quês particularíssimos cuja soma a palavra "linda" totaliza? Lábios de pitanga, a magnólia da pele acesa em rosas nas faces, olhos sombrios como a noite, dentes de pérola...

as velhas tintas de uso em retratos femininos desde a Sulamita não pintam melhor que o "linda!" dito sem mais enfeites além do ponto de admiração.

Vê-la mordiscando o hastil duma flor de catingueiro colhida à beira do caminho, ora risonha, ora séria, a cor das faces mordida pelo vento frio, madeixas louras a brincarem-lhe nas têmporas, vê-la assim formosa no quadro agreste duma tarde de junho, era compreender a expressão dos roceiros: Linda que nem uma santa.

Olhos, sobretudo, tinha-os Cristina de alta beleza. Naquela tarde, porém, as sombras de sua alma coavam neles penumbras de estranha melancolia. Melancolia e inquietação. O amoroso enlevo de Eduardo esfriava amiúde ante suas repentinas fugas. Ele a percebia distante, ou pelo menos introspectiva em excesso, reticência que o amor não vê de boa cara. E à medida que caminhavam recrescia aquela esquisitice. Um como intáctil morcego diabólico riscava-lhe a alma de voejos pressagos. Nem o estimulante das brisas ásperas, nem a ternura do noivo, nem o "cheiro de natureza" exsolvido da terra, eram de molde a esgarçar a misteriosa bruma de lá dentro.

Eduardo interpelou-a: - Que tens hoje, Cristina? Tão sombria...

E ela, num sorriso triste: - Nada!.. Por quê? Nada... É sempre nada quando o que quer que é lucila avisos informes na escuridão do subconsciente, como sutilíssimos ziguezagues de sismógrafo em prenúncio de remota comoção telúrica. Mas esses nadas são tudo!...

- À esquerda, pelo trilho! A voz do major chamou-os à realidade. Um carreiro mal batido na macega esgueirava-se coleante até a beira dum córrego, onde se reuniram de novo.

O major tomou a frente, e guiou-os floresta adentro pelos meandros duma picada. Era ali o mato sinistro onde se alapavam Bocatorta e o seu cachorro lazarento, Merimbico, nome tresandante a satanismo para o faro do poviléu.

Às sextas-feiras, na voz corrente do arraial, Merimbico virava lobisomem e se punha de ronda ao cemitério, com lamentosos uivos à lua e abocamentos às pobres almas penadas - coisa muito de arrepiar.

O sombrio da mata enoiteceu de vez o coração de Cristina.

- Mas, afinal, para onde vamos, meu pai? Afundar no atoleiro, como o Simas? Meu pai já fez o testamento? - Já, minha filha - chasqueou o major -, e deixo o Bocatorta para você...

Cristina emudeceu. Retransia-a em doses crescentes o velho medo de outrora, e foi com um estremecimento arrepiado que ouviu o ladrido próximo de um cão.

- É Merimbico - disse o velho. - Estamos quase.

Mais cem passos e a mata rasgou-se em clareira, na qual Cristina entreviu a biboca do negro. Fez-se toda pequenina e achegou-se a Don'Ana, apertando-lhe nervosamente as mãos.

- Bobinha! Tudo isso é medo? - Pior que medo, mamãe; é... não-sei-quê! Não tinha feição de moradia humana a alfurja do monstro. À laia de paredes, paus-a-pique mal juntos, entressachados de ramadas secas. Por cobertura, presos, com pedras chatas, molhos de sapé no fio, defumado e podre. Em redor, um terreirinho atravancado de latas ferrujentas, trapos e cacaria velha. A entrada era um buraco por onde mal passaria um homem agachado.

- Olá, caramujo! Sai da toca que estão cá o sinhô moço e mais visitas! - gritou o major.

Respondeu de dentro um grunhido cavo. Ao ouvir tão desagradável som, Cristina sentiu correr na pele o arrepio dos pesadelos antigos, e num incoercível movimento de pavor abraçou-se com a mãe.

O negro saiu da cova meio de rastos, com a lentidão de monstruosa lesma. A princípio surgiu uma gaforinha arruçada, depois o tronco e os braços e a traparia imunda que lhe escondia o resto do corpo, entremostrando nos rasgões o negror da pele craquenta.

Cristina escondeu o rosto no ombro de Don'Ana - não queria, não podia ver.

Bocatorta excedeu a toda pintura. A hediondez personificara-se nele, avultando, sobretudo, na monstruosa deformação da boca. Não tinha beiços, e as gengivas largas, violáceas, com raros cotos de dentes bestiais fincados às tontas, mostravam-se cruas, como enorme chaga viva. E torta, posta de viés na cara, num esgar diabólico, resumindo o que o feio pode compor de horripilante. Embora se lhe estampasse na boca o quanto fosse preciso para fazer daquela criatura a culminância da ascosidade, a natureza malvada fora além, dando-lhe pernas cambaias e uns pés deformados que nem remotamente lembravam a forma do pé humano. E olhos vivíssimos, que pulavam das órbitas empapuçadas, veiados de sangue na esclerótica amarela. E pele grumosa, escamada de escaras cinzentas. Tudo nele quebrava o equilíbrio normal do corpo humano, como se a teratologia caprichasse em criar a sua obra-prima.

À porta do casebre, Merimbico, cachorro à-toa, todo ossos, pele e bernes, rosnava contra os importunos.

Don'Ana e a filha afastaram-se, engulhadas. Só os homens resistiram à nauseante vista, embora a Eduardo o tolhesse uma emoção jamais experimentada, misto de asco, piedade e horror. Aquele quadro de suprema repulsão, novo para seus nervos, desnorteava-lhe as idéias. Estarrecido como em face da Górgona, não lhe vinha palavra que dissesse.

O major, entretanto, trocava língua com o monstro, que em certo ponto, a uma pergunta alegre do velho, arregaçou na cara um riso. Eduardo não teve mão de si. Aquele riso naquela cara sobreexcedia a sua capacidade de horripilação. Voltou o rosto e se foi para onde as mulheres, murmurando: - É demais! É de fazer mal a nervos de aço...

Seus olhos encontraram os de Cristina e neles viram a expressão de pavor da preá engrifada nas puas da suindara - o pavor da morte...

Quando deixaram a floresta, morria a tarde sob o chicote dum vento precursor de chuva.

- Foi imprudência, Cristina, vires sem um xalinho de cabeça ao menos!... Queira Deus...

A moça não respondeu. D'olhos baixos, retransida, respirava a largos haustos, para desafogo dum aperto de coração nunca sentido fora dos pesadelos.

Generalizara-se o silêncio. Só o major tentava espanejar a impressão penosa, chasqueando ora o terror da filha, ora o asco do moço; mas breve calou-se, ganho também pelo mal-estar geral.

Triste anoitecer o daquele dia, picado a espaços pelo surdo revôo dos curiangos. O vento zunia, e numa lufada mais forte trouxe da mata o uivo plangente de Merimbico.

Ao ouvi-lo, um comentário apenas escapou da boca do major: - Diabo! Fechara-se a noite e vinham as primeiras gotas de chuva quando pisaram no alpendre do casarão.

Cristina sentiu pelo corpo inteiro um calafrio, como se a sacudisse a corrente elétrica.

No dia seguinte amanheceu febril, com ardores no peito e tremuras amiudadas. Tinha as faces vermelhas e a respiração opressa.

O rebuliço foi grande na casa.

Eduardo, mordido de remorsos, compulsava com mão nervosa um velho Chernoviz, tentando atinar com a doença de Cristina; mas perdia-se sem bússola no báratro das moléstias. Nesse em meio, Don'Ana esgotava o arsenal da medicina anódina dos símplices caseiros.

O mal, entretanto, recalcitrava às chasadas e sudoríferos. Chamou-se o boticário da vila. Veio a galope o Eusébio Macário e diagnosticou pneumonia.

Quem já não assistiu a uma dessas subitâneas desgraças que de golpe se abatem, qual negro avejão de presa, sobre uma família feliz, e estraçoam tudo quanto nela representa a alegria, e esperança, o futuro? Noites em claro, o rumor dos passos abafados... E o doente a piorar... O médico da casa apreensivo, cheio de vincos na testa... Dias e dias de duelo mudo contra a moléstia incoercível... A desesperança, afinal, o irremediável antolhado iminente; a morte pressentida de ronda ao quarto...

Ao oitavo dia Cristina foi desenganada; no décimo o sino do arraial anunciou o seu prematuro fim.

- Morta!...

Eduardo escondia as lágrimas entre as almofadas do leito, repetindo cem vezes a mesma palavra.

Alcançava-lhe o significado tremendo e, no entanto, quantas vezes a ouvira como a um som oco de sentido! A imagem de Cristina morta, a esfervilhar na dissolução dentro da terra gelada, contrapunha-se às visões da Cristina viva, toda mimos d'alma e corpo, radiosa manhã humana de cuja luz toda se impregnara sua alma. Cerrando os olhos, revia-se durante o passeio fatal, envolta nas brumas de vagos pressentimentos. Vinham-lhe à memória as suas palavras dúbias, a sua vacilação. E arrepelava-se por não ter adivinhado na repulsa da moça os avisos informes de qualquer coisa secreta que tenazmente a defendia. Tais pensamentos, enxameantes como moscas em torno à carne viva da dor de Eduardo, coavam nele venenos cruéis.

Fora, o sol redoirava cruamente a vida.

Brutalidade!...

Morria Cristina e não se desdobravam crepes pelo céu, nem murchavam as folhas das árvores, nem se recobria de cinzas a terra...

Espezinhado pela fria indiferença das coisas, fechou-se na clausura de si próprio, torvo e dolorido, sentindo-se amarfanhar pela pata cega do destino.

Correram horas. Noite alta, acudiu-lhe a idéia de ir ao cemiterinho beijar num último adeus o túmulo da noiva.

Por sobre a vegetação adormecida coava-se o palor cinéreo da minguante. Raras estrelas no céu, e na terra nenhum rumorejo além do remoto uivar de um cão - Merimbico talvez - a escandir o concerto das untanhas que coaxavam glu-glus nas aguadas.

Eduardo alcançou o cemitério. Estava encadeado o portão. Apoiou a testa nos frios varões ferrujentos e mergulhou os olhos queimados de lágrimas por entre os carneiros humildes, em busca do que recebera Cristina.

No ar, um silêncio de eternidade.

Brisas intermitentes carreavam o olor acre dos cravos-de-defunto floridos na tristeza daquele cemitério da roça.

Seu olhar pervagava de cruz em cruz na tentativa de atinar com o sítio onde Cristina dormia o grande sono, quando um rumor suspeito lhe feriu os ouvidos. Direis um arranhar de chão em raspões cautelosos, ao qual se casava o resfolego duma criatura viva.

Pulsou-lhe violento o sangue. Os cabelos cresceram-lhe na cabeça. Alucinação? Apurou os ouvidos: o rumor estranho lá continuava, vindo de um ponto sombreado de ciprestes. Firmou a vista: qualquer coisa agachava-se na terra.

Súbito, num relâmpago, fulgurou em sua memória a cena do jantar, o caso de Luizinha, as palavras de Cristina.

Eduardo sentiu arrepiarem-se-lhe os cabelos e, ganho dum pânico desvairado, deitou a correr como um louco rumo à fazenda, em cujo casarão penetrou de pancada, sem fôlego, lavado em suor frio, despertando de sobressalto a família.

Com gritos de espanto, que o cansaço e o bater dos dentes entrecortavam, exclamou entre arquejos: - Estão desenterrando Cristina... Eu vi uma coisa desenterrando Cristina...

- Que loucura é essa, moço? - Eu vi... - continuava Eduardo com os olhos desmesuradamente abertos. - Eu vi uma coisa desenterrando Cristina...

O major apertou entre as mãos a testa. Esteve assim imóvel uns instantes. Depois sacudiu a cabeça num gesto de decisão e, horrivelmente calmo, murmurou entre dentes, como em resposta a si próprio: - Será possível, meu Deus? Vestiu-se de golpe, meteu no bolso o revólver e atirando três palavras enigmáticas à estarrecida Don'Ana, gritou para Eduardo com inflexão de aço na voz: - Vamos! Magnetizado pela energia do velho, o moço acompanhou-o qual sonâmbulo.

No terreiro apareceu-lhes o capataz.

- Venha conosco. A "coisa" está no cemitério.

Vargas passou mão de uma foice.

- Vai ver que é ele, patrão, até juro! O major não respondeu - e os três homens partiram a correr pelos campos em fora.

A meio caminho, Eduardo, exausto de tantas emoções, atrasou-se. Seus músculos recusaram-lhe obediência. Ao defrontar com o atoleiro, as pernas lhe fraquearam de vez e ele caiu, ofegante.

Entrementes, o major e o feitor alcançavam o cemitério, galgavam o muro e aproximavam-se como gatos do túmulo de Cristina.

Um quadro hediondo antolhou-se-lhes de golpe: um corpo branco jazia fora do túmulo - abraçado por um vulto vivo, negro e coleante como o polvo.

O pai de Cristina desferiu um rugido de fera, e qual fera mal ferida arrojou-se para cima do monstro. A hiena, mau grado a surpresa, escapou ao bote e fugiu. E, coxeando, cambaio, seminu, de tropeços nas cruzes, a galgar túmulos com agilidade inconcebível em semelhante criatura, Bocatorta saltou o muro e fugiu, seguido de perto pela sombra esganiçante de Merimbico.

Eduardo, que concentrara todas as forças para seguir de longe o desfecho do drama, viu passar rente de si o vulto asqueroso do necrófilo, para em seguida desaparecer mergulhando na massa escura dos guaiambés.

Voando-lhe no encalço, viu passar em seguida o vulto dos perseguidores.

Houve uma pausa, em que só lhe feriu o ouvido o rumor da correria. Depois, gritos de cólera, d'envolta a um grunhir de queixada caído em mundéu - e tudo se misturou ao barulho da luta que o uivo de Merimbico dominava lugubremente.

O moço correu a mão pela testa gelada: estaria nas unhas dum pesadelo? Não; não era sonho. Disse-lho a voz alterada do feitor, esboçando o epílogo da tragédia: - Não atire, major, ele não merece bala. P'ra que serve o atoleiro? E logo após Eduardo sentiu recrudescer a luta, entre imprecações de cólera e os grunhidos cada vez mais lamentosos do monstro. E ouviu farfalhar o mato, como se por ele arrastassem um corpo manietado, a debater-se em convulsões violentas. E ouviu um rugido cavo de supremo desespero. E após, o baque fofo de um fardo que se atufa na lama.

Uma vertigem escureceu-lhe a vista; seus ouvidos cessaram de ouvir; seu pensamento adormeceu...

Quando voltou a si, dois homens borrifavam-lhe o rosto com água gelada. Encarou-os, marasmado. Ergueu-se, mal firme, apoiado a um deles. E reconheceu a voz do major, que entre arquejos de cansaço lhe dizia: - Seja homem, moço. Cristina já está enterrada, e o negro...

- ... está beijando o barro, concluiu sinistramente o Vargas.

Ao raiar do dia, Merimbico ainda lá estava, sentado nas patas traseiras, a uivar saudosamente com os olhos postos no sítio onde sumira o seu companheiro.

Nada mais lembrava a tragédia noturna nem denunciava o túmulo de lodo açaimador da boca hedionda que babujara nos lábios de Cristina o beijo único de sua vida.